Da infância à adolescência: Neurocientista Telma Abrahão explica como os primeiros anos influenciam a juventude

A adolescência, fase marcada por intensas transformações emocionais e comportamentais, começa a ser moldada muito antes do que imaginamos. O que vivemos na infância tem um peso significativo no desenvolvimento dos adolescentes, influenciando diretamente a forma como enfrentam desafios emocionais, sociais e até comportamentais na juventude. 

Esse impacto pode ser visto em casos como o retratado na série “Adolescência”, a mais assistida da Netflix na última semana, que alcançou o Top 1 da plataforma em 71 países, incluindo o Brasil. A trama acompanha as mudanças na vida da família Miller após Jamie Miller, um jovem de 13 anos, ser acusado de assassinar uma colega de escola, levantando discussões sobre os efeitos da infância na formação emocional e psicológica dos adolescentes.

A escritora, neurocientista e especialista em desenvolvimento infantil, Telma Abrahão, explica que o que ocorre nos primeiros anos de vida reverbera ao longo de toda a trajetória dos filhos. “O cérebro humano se molda conforme as experiências vividas principalmente nos primeiros anos de vida, quando as conexões neurais estão em pleno crescimento, e, muitas vezes, os pais não percebem que muitas dificuldades dos adolescentes estão enraizadas na infância”, afirma Telma.

As mudanças no comportamento dos filhos adolescentes são naturais, existe uma grande explosão hormonal, formação da personalidade e um desejo natural de explorar o mundo, mas os pais precisam compreender que muitas das explosões emocionais, do isolamento social e a maior propensão a comportamentos de risco podem ser sintomas de uma educação baseada no medo, em ameaças, na falta de confiança e na ausência de conexão emocional na infância. Embora muitos percebam a adolescência como uma fase turbulenta, os primeiros sinais e desafios começam a ser plantados muito antes dessa transição.

Telma Abrahão alerta que, na infância, as experiências de negligência emocional, medo constante ou vínculos inseguros podem provocar sérias consequências no desenvolvimento cerebral. “O cérebro é altamente sensível as experiências da infância. Quando uma criança vive em um ambiente com alto estresse, como aqueles marcados por insegurança ou falta de afeto, o eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal) é ativado, liberando cortisol em níveis elevados. Esse estresse crônico afeta diretamente áreas do cérebro responsáveis pela regulação emocional e tomada de decisões”.

O impacto dessa ativação crônica do estresse pode ser visto na adolescência, principalmente no desenvolvimento do córtex pré-frontal, região associada à autorregulação e controle de impulsos, e na amígdala, ligada ao medo e à reatividade emocional. A consequência disso são os desafios emocionais enfrentados pelos adolescentes: dificuldades de lidar com frustrações, explosões de raiva e impulsividade, além de uma maior vulnerabilidade a comportamentos de risco como automutilação, consumo de substâncias e sexualização precoce.

De acordo com o CDC (Centers for Disease Control and Prevention), adolescentes que enfrentaram muitas adversidades na infância têm de 2 a 5 vezes mais chances de apresentar problemas emocionais, como depressão, vícios e comportamentos autodestrutivos.

Entretanto, Telma ressalta que isso não significa que o caminho esteja selado. “O cérebro é plástico, o que significa que é possível criar novas conexões e alterar trajetórias emocionais. Mesmo que a infância tenha sido marcada por adversidades, o vínculo emocional com os pais na adolescência pode ser reconstruído”, afirma a neurocientista.

A presença emocional dos pais, a escuta atenta e a segurança emocional ainda têm um poder transformador. Mesmo que os pais sintam que estão lidando com um adolescente que já desenvolveu padrões de comportamento prejudiciais, nunca é tarde para promover uma mudança. O apoio emocional, a oferta de limites respeitosos e o cuidado contínuo são ferramentas poderosas de reparação.

Falar sobre a adolescência, portanto, não deve se limitar a compreender as características dessa fase, mas também a revisar a infância, reconhecendo a importância do cuidado emocional e da formação de vínculos seguros e consistentes desde os primeiros anos de vida. Como Telma Abrahão conclui, “é possível fazer diferente. Com informação e apoio, todo pai e mãe pode se tornar um agente de transformação na vida emocional dos filhos”.

Márcia Stival Assessoria
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